Seu celular está sempre tocando (ou assim você espera) | Texto de Zygmunt Bauman

O texto abaixo faz parte do livro “Amor líquido” do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, obra que nos convida a mergulhar em um oceano de reflexões sobre os relacionamentos na era da modernidade. Com sua escrita envolvente e provocadora, Bauman disseca a fragilidade das relações afetivas em um mundo onde tudo se torna fluido, incerto e efêmero, onde os laços humanos se tornam cada vez mais superficiais e descartáveis. Suas obras abordam questões como consumo, poder, moralidade e as mudanças nas estruturas sociais em um mundo cada vez mais globalizado e interconectado. Boa leitura!


Seu celular está sempre tocando (ou assim você espera)

Por Zygmunt Bauman

Uma mensagem brilha na tela em busca de outra. Seus dedos estão sempre ocupados: você pressiona as teclas, digitando novos números para responder às chamadas ou compondo suas próprias mensagens. Você permanece conectado – mesmo estando em constante movimento, e ainda que os remetentes ou destinatários invisíveis das mensagens recebidas e enviadas também estejam em movimento, cada qual seguindo suas próprias trajetórias. Os celulares são para pessoas em movimento. (…)

Estando com o seu celular, você nunca está fora ou longe. Encontra-se sempre dentro – mas jamais trancado em um lugar. Encasulado numa teia de chamadas e mensagens, você está invulnerável. As pessoas ao seu redor não podem rejeitá-lo e, mesmo que tentassem, nada do que realmente importa iria mudar. (…)

Uma chamada não foi respondida? Uma mensagem não foi retornada? Também não há motivo para preocupação. Existem muitos outros números de telefones na lista, e aparentemente não há limite para o volume de mensagens que você pode, com a ajuda de algumas teclas diminutas, comprimir naquele pequeno objeto que se encaixa tão bem em sua mão. Pense nisto (quer dizer, se houver tempo para pensar): é absolutamente improvável chegar ao fim de seu catálogo portátil ou digitar todas as mensagens possíveis. Há sempre mais conexões para serem usadas – e assim não tem tanta importância quantas delas se tenham mostrado frágeis e passíveis de ruptura. O ritmo e a velocidade do uso e do desgaste tampouco importam. Cada conexão pode ter vida curta, mas seu excesso é indestrutível. Em meio à eternidade dessa rede imperecível, você pode se sentir seguro diante da fragilidade irreparável de cada conexão singular e transitória.

Dentro da rede, você pode sempre correr em busca de abrigo quando a multidão à sua volta ficar delirante demais para o seu gosto. Graças ao que se torna possível desde que seu celular esteja escondido em segurança no seu bolso, você se destaca na multidão – e destacar-se é a ficha de inscrição para sócio, o termo de admissão nessa multidão.

Uma multidão de pessoas destacadas: um enxame, para ser mais preciso. Um agregado de indivíduos autopropulsores que não precisam de comandantes, testas de ferro, porta-vozes, agentes provocadores ou informantes para se manterem juntos. Um agregado em movimento no qual cada unidade móvel faz a mesma coisa, mas nada é feito em conjunto. As unidades marcham no mesmo passo sem sair do alinhamento. Coerente consigo mesma, a multidão expulsa ou atropela as unidades que se destacam – mas são apenas essas as unidades toleradas pelo enxame.

Os telefones celulares não criam o enxame, embora sem dúvida ajudem a mantê-lo como é – um enxame. Este, por sua vez, estava esperando por Nokias e Ericssons e Motorolas ávidos por servi-lo. Se não houvesse enxame, qual seria a utilidade dos celulares?

Aos que se mantêm à parte, os celulares permitem permanecer em contato. Aos que permanecem em contato, os celulares permitem manter-se à parte…

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humano; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

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Crédito de imagem: Foto de ROMAN ODINTSOV

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