Filosofia, prazer e morte |Texto Michel de Montaigne

Michel de Montaigne, um dos pensadores mais singulares do Renascimento, nos convida neste texto a uma reflexão profunda sobre a tríade essencial da existência humana: filosofia, prazer e morte. Longe de serem temas isolados, Montaigne os entrelaça de maneira provocativa, sugerindo que a própria filosofia reside em uma constante preparação para o derradeiro encontro . Mas como conciliar essa iminência da morte com a busca incessante pelo prazer, apontada por diversas correntes de pensamento como o próprio objetivo da vida? Seria o prazer um mero desvio ou, paradoxalmente, um caminho para enfrentar a mortalidade com serenidade? E de que maneira a virtude se encaixa nessa equação, sendo capaz de nos inspirar um desprezo pela morte que, por sua vez, nos permite viver com mais quietude e alegria? Estas são algumas das questões que emergem da pena arguta de Montaigne e que merecem ser exploradas neste texto.


Filosofia, prazer e morte

Por Michel de Montaigne*

“Diz Cícero que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte. lsso, talvez, porque o estudo e a contemplação tiram a alma para fora de nós, separam-na do corpo, o que, em suma, se assemelha à morte e constitui como que um aprendizado em vista dela. Ou então seria porque de toda sabedoria e inteligência resulta finalmente que aprendemos a não ter receio de morrer. Em verdade, ou nossa razão falha ou seu objetivo único deve ser a nossa própria satisfação, e seu trabalho tender para que vivamos bem, e com alegria, como recomenda a Sagrada Escritura. Todas as opiniões propõem que o prazer é a meta da vida, mas diferem no que concerne aos meios de atingir o alvo. E se assim não fosse, as repeliríamos de imediato, por que daria ouvido a alguém que apontasse na pena e no sofrimento os objetivos da existência?  A esse respeito, as dissensões entre as seitas filosóficas são puro palavrório (…); em tais discussões entra mais obstinação e picuinha do que convém à ciência tão respeitável. Mas em qualquer papel que se proponha desempenhar põe o homem um pouco de si mesmo.

Digam o que disserem, na própria prática da virtude o fim visado é a volúpia. E agrada-me repetir essa palavra pronunciam constrangidos. E se significa prazer supremo e extremada satisfação melhor se deva ela à virtude do que a qualquer outra causa, pois a volúpia, robusta e viril, é a mais seriamente voluptuosa.

E deveríamos chamá-la prazer, denominação mais feliz e mais natural, do que a de vigor que lhe damos.

(…)

Um dos principais benefícios da virtude está no desprezo que nos inspira pela morte, o que nos permite viver em doce quietude e faz com que se desenrole agradavelmente e sem preocupações nossa existência. E, sem esses sentimentos, toda volúpia é sem encanto. Eis por que todos os sistemas filosóficos concordam nesse ponto e para ele convergem. Embora todos se entendam igualmente em nos recomendar o desprezo à dor, à pobreza e a outros acidentes a que está sujeita a vida humana, nem todos o fazem com igual cuidado, ou porque tais acidentes não nos atingem forçosamente (…), ou porque, na pior das hipóteses, pode a morte, quando quisermos, pôr fim aos nossos males. E ela própria é inevitável.

(…)

Não sabemos onde a morte nos aguarda, esperemo-la em toda parte. Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir, nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e constrangimento.”

*MONTAIGNE, Ensaios. Trad. Sérgio Miliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 48,49-51. Coleção “Os Pensadores”.

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